Declínio cognitivo: da sala de aula ao prejuízo na produtividade profissional

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Para uma geração já imersa num mundo tecnológico, desvincular-se das redes soa mais utópico do que passar mais da metade do dia conectado. Seja no ambiente profissional ou escolar, as telas estão  – preocupantemente – presentes no nosso dia a dia.

Segundo um levantamento feito pela plataforma Electronics Hub, um site de informações eletrônicas, concluiu-se, a partir da pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, que os brasileiros passam em média 56% do dia em frente às telas, porcentagem equivalente a nove horas diárias.

Conduzido pelo portal DataReportal, o estudo, que considerou 45 nações, revelou que o Brasil é o segundo país com mais pessoas conectadas. A alta posição no ranking pode estar relacionada aos streamings, uma vez que 64% dos usuários de smartphones assinam serviços como Apple Tv, Netflix, Prime Video ou Amazon.

A fim de promover o uso de tecnologias de forma benéfica para o público infanto juvenil, o Governo Federal, em parceria com a Secretária de Políticas Digitais (SECOM), lançou um guia com orientações para familiares e educadores em março deste ano. O documento, intitulado de  “Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Uso de Dispositivos Digitais”, ressalta que crianças entre 12 e 17 anos devem utilizar seus dispositivos com supervisão de responsáveis, e foi originado após a Lei nº 15.100/2025 ser sancionada, medida que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos em sala de aula.

Essa é uma realidade para Silvana de Oliveira, mãe e dona de casa, que lida com alguns dos diversos sintomas que impactam seu filho caçula, Vitor, de 17 anos, que passa cerca de 7 horas em frente ao computador todos os dias depois da escola. Falta de sono, irritabilidade e até mesmo preguiça, estão presentes na rotina acadêmica do adolescente, que se estende das 7h às 13h10.

“Já conversei bastante com ele, peço pra dar um tempinho… Acredito que daqui a pouco ele vai começar a fazer faculdade e vai usar menos. Pelo menos aqui em casa, ele com certeza perde bastante tempo no computador.”, desabafa a genitora, ao comentar possíveis estratégias para reduzir o tempo de telas do filho.

Por outro lado, Silvana frisa que a tecnologia também traz vantagens no aprendizado de Vitor “não é só jogo, ele também aprende bastante coisa usando o computador”, e reforça “coisa de adolescente, […] faz parte, fazer o quê?”

Quanto ao âmbito social, a mãe revela que o jovem tem bom convívio com os amigos, e que nem todos passam a mesma quantidade de tempo em frente às telas, “uns trabalham, já outros, usam o computador para criar jogos.”, e não vê problema ao destacar que “é uma forma deles ganharem um pouco de dinheiro”.

 

No âmbito profissional

 

Lara Lima, estudante de Análise de Sistemas na IFSP e estagiária na multinacional Mars, polo Guararema, considera que passa muito tempo em frente ao computador e celular, o uso, que inclui 6 horas durante o estágio e por volta de 5 horas na faculdade, quando somado ao consumo de conteúdos nas redes sociais nas horas vagas, totaliza 12 horas diárias de telas.

“Sinto que às vezes perco as coisas que estão acontecendo ao meu redor, no ‘mundo físico’, porque fico a maior parte do tempo em frente às telas”, enfatiza.

A universitária admite que o uso excessivo de redes sociais, em especial o Tiktok e o Twitter, gerava ansiedade e dissociação com a realidade. “Me consumiu de um jeito que me deixou em um nível muito alto de estresse, e isso foi um dos principais motivos para desinstalar esses aplicativos! […] Eu sinto que estamos presos nessa bolha, e caso você não seja parte disso, você é taxado de desatualizado! Existe uma vida além disso, parece que se não estou acompanhando, logo não estou vivendo, porque todas as outras pessoas estão fazendo isso, ou seja, estão ‘vivendo’”, e acrescenta “há dias em que eu não consigo assistir, ler ou fazer nada, […] não é apenas a ‘dor na vista’, mas também uma fadiga de consumo, eu não aguento mais consumir nada que venha das telas”.

Ao salientar as medidas que sua empresa implementa na tentativa de reduzir os efeitos negativos do uso de telas a longo prazo, a estudante destaca práticas como terapia individual e em grupo, gympass, boletins sobre saúde mental, e o incentivo de interações sociais.

 

“Você é obrigado a não pensar no seu trabalho quando faz natação, porque se você pensar em qualquer outra coisa, você vai se afogar!” – Lara, ao comentar os benefícios do gympass.

 

 

A estagiária conta que os funcionários são orientados a se movimentarem a cada uma ou duas horas, e fazer qualquer outra atividade que não envolva tecnologia. “Quando se trabalha numa área onde se passa mais de 8 horas na frente do computador, acabamos nos esquecendo que precisamos conversar com pessoas, eu digo isso por mim mesma! Tem dias que eu não converso com ninguém, só fico na parte ‘funcional’, então, nós valorizamos muito essa prática”. De acordo com Lara, se exercitar é algo perpetuado por todos os funcionários: “Não é só algo que as pessoas começaram a fazer por elas mesmas, elas perceberam que é algo necessário para que elas pudessem se desvincular das telas.”

 

Impacto cognitivo

 

Como afirma Suéller Costa, jornalista, pedagoga, educomunicadora e idealizadora do projeto Educom Alto Tiête, os impactos causados pelas telas refletem tanto no ambiente escolar quanto no profissional, uma vez que há de se dominar as tecnologias a fim de compreendê-las. “Isso é muito desafiador, vivemos uma era de inovações constantes, […] você se atualiza, mas não tem capacidade de dominar tudo porque você não é uma máquina. Você depende da concentração para entender o que está acontecendo, e de um período de aplicação para dominar essas tendências”. A especialista também alerta para a necessidade de um equilíbrio ao usufruir das telas, e afirma que nossa mente está cada vez mais fragmentada: “As pessoas têm apenas fragmentos, e não a profundidade do que ocorre no mundo a sua volta”.

Em contrapartida, Suéller visualiza a escola como espaço de socialização e um reflexo da sociedade, ambiente no qual crianças e adolescentes têm “contato com pessoas de culturas, costumes, tradições, modos de pensar e agir diferentes”, experiências necessárias para uma geração que tem dificuldade em se expressar, e enxergam o contexto virtual como porto seguro.

Para a educadora, a valorização de brincadeiras que estimulem a imaginação e explorem a criatividade é imprescindível para crianças e adolescentes, pois ajuda na resolução de problemas que fazem parte do nosso cotidiano, e que favorecerão tanto a esfera educacional quanto a profissional.

“Com o uso das redes sociais ampliou-se um perfil duplo, […] e qualquer um hoje pode ser  produtor (de conteúdo), […] não somos só consumidores de informação, somos também produtores de informação”, enfatiza a jornalista, que alega que estamos “vivendo um paradoxo, uma desinformação constante, ocasionada por informações implantadas, negociadas, planejadas que não condizem com à realidade”. E para que seja evitado, necessita-se de mediação fortificada nas primeiras casas do ensino médio, enfim, incorporando positivamente tecnologias a nosso favor.

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Lívia Monteiro

Estudante do 8º semestre do curso de jornalismo no Centro Universitário Braz Cubas